Notas preliminares acerca da Teoria da Utilidade Marginal do valor econômico.

Metalnomics (Economista Metalhead)
22 min readMar 10, 2022

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Usualmente, nos referimos, em economia, ao termo marginal para avaliar pequenas alterações (unitárias) em um recurso e o reflexo dessa alteração em uma variável dependente (receita, produto, utilidade, etc).

Mas quais as implicações da teoria da utilidade marginal, amplamente aceita pela academia de ciências econômicas, para com a manifestação do valor nos preços?

Inicialmente, deve-se definir valor sem que se incorra em uma petição de princípio, como definir o valor de um bem trocado no mercado de modo que se parta do princípio que este tipo de bem só pode ser fruto do trabalho e, não surpreendentemente, chegar a conclusão de que o elo comum entre os bens trocáveis seja exatamente este. Não há nada na origem etimológica que impeça o emprego da palavra valor em relação entre indivíduo e res (coisa), e a interação social é reflexo da mesma avaliação individual, porém de maneira inversa pela contraparte.

Valor, de maneira geral, é a importância atribuída a algo. Por se tratar de importância, esta varia de acordo com as prioridades individuais, sendo, então, subjetiva. Utilidade, por outro lado, é definida por Menger como o nexo causal entre o emprego de um bem e a satisfação de uma referida necessidade, para Mises é a relação causal para a redução de um desconforto (insatisfação em relação ao estado de coisas o qual o fim visa alterar com o emprego dos meios, mas nunca é possível fazê-lo em termos absolutos, sempre relativos, devido à própria limitação do escopo da ação).

O valor econômico, deste modo, se refere à importância atribuída ao bem pelo agente que o emprega, derivada da importância do fim e seu respectivo grau de urgência para o indivíduo. Esta importância do bem, vale notar, é ponderada face a seus complementos e, na ausência destes, reflete a proporção na qual aproxima o agente do fim em seu emprego.

Além disso, a escassez do bem, relativa a seus complementos, também é levada em consideração, pois possui influência direta na urgência pelos serviços que este bem presta (derivada da urgência do fim), quanto mais escasso for (esta importância relativa não é extensiva, nem cognoscível ex ante, mas expressa na praxis e, além do mais, o agente pode se equivocar em sua avaliação dos nexos causais necessários para consecução de seus fins, alterando o curso de ações futuro e as avaliações relativas entre os bens disponíveis).

As coisas possuem quatro causas que as formam: causa eficiente (que a gera), causa material (da matéria da qual é composta), causa formal (características categóricas presentes em sua matéria) e causa final (função/finalidade, i.e, objetivo ou objetivos que sua configuração material permite atingir, pois o mesmo efeito objetivo pode ter aplicações múltiplas, tanto em termos de produção quanto em formas de consumo). Esta descrição das relações causais de Aristóteles é utilizada por Menger para classificar um recurso como bem econômico.

Menger aplica as 4 causas na definição dos bens da seguinte forma: a existência da necessidade humana (causa final), a existência de um nexo causal entre um recurso e o atendimento da necessidade (causa eficiente), a disponibilidade do recurso para atendê-la (causa material), e o reconhecimento do agente da existência do nexo causal entre o emprego do recurso e o atendimento da necessidade (causa formal).
(Já Mises define a ação humana como comportamento propositado que aloca meios para alcançar fins, de acordo com a definição Aristotélica teleológica de ação (apesar da influência epistemologica neokantiana). Isto denota uma persistente influencia do filósofo no pensamento da Escola Austríaca de Economia). Já o aspecto econômico do bem é imputado pelo atributo da escassez, i.e, finitude dos recursos que os formam face às múltiplas e crescentes necessidades (e desejos) humanas. Mises não visa reinventar o termo racionalidade quando este o emprega em sentido diferente ao neoclássico e ao comumente concebido na profissão, mas se refere à racionalidade aristotélica (comportamento propositado de seres de alma intelectiva, animais racionais).

A causação é um tipo de implicação lógica, como um subconjunto especial desta. Neste caso, o antecedente é a referida causa, e o consequente seu efeito. Mas se existe um antecedente e um consequente, existe uma relação temporal, portanto, toda relação de causação está inserida no tempo.
Ao admitir a eficácia causal, deve-se, portanto, considerar o tempo. Isto, com efeito, é um aspecto crucial à análise Austríaca do valor para que se impute importância aos meios da ação (principalmente em relação ao processo produtivo e sua estrutura).

Por outro lado, o valor implica em uma sanção negativa, pois só existe na condição de insatisfação de uma referida necessidade, portanto o enfoque maior de Mises, assim como em Menger, é na insatisfação como força motriz da ação, i.e, no desconforto. Discordo dessa premissa no sentido de que a ação é a manifestação de uma preferências entre estados de coisas esperados no futuro, de modo que a insatisfação presente só é relevante à medida em que se espere que tal estado se perpetue futuramente.

Em relação ao custo, este é o ônus de se abrir mão de uma alternativa, deste modo, todo custo é um custo de oportunidade pois, ao abrir mão de um recurso, abre-se mão da alternativa de empregá-lo a um fim cuja sua configuração material é, de acordo com a expectativa daquele que a empregaria (baseada em seu conhecimento sobre seus efeitos objetivos pela experiência passada), um bem no sentido em que cumpriria esta determinada função. Ora, se o custo é a abdicação de serviços que um bem prestaria, então o custo pressupõe, em sua definição, importância atribuída (ainda que menor) àquilo que se pretere (ver artigo sobre as antinomias da realidade econômica).

Mas se a hierarquia entre os objetivos, e consequente hierarquia entre os bens que são os meios para atingí-los são ordinais, como surge o “valor” de troca que se manifesta nos preços dos bens?

Esta manifestação ocorre através de negociações pautadas por comparações entre quantidades relativas destes bens de acordo com a importância a elas atribuída, o que é comumente denominado, em microeconomia, de taxa marginal de substituição (razão entre as avaliações de um indivíduo em relação aos bens sujeitos a uma escolha mutuamente excludente, um trade off). Para Menger, assim como para Marx, o valor é a essência, e o preço o modo como ele aparece, mas, conforme veremos, a definição de valor levará a identificações diferentes do que é valor e preço entre as teorias rivais (que é anterior à discussão entre Austríacos contra Clássicos e Marxistas (não incluo os neoclassicos do lado dos Austríacos, pois os conceitos de utilidade divergem entre as tradições irmãs, que são rivais epistemologicas)).

Desta forma, as importâncias que os agentes envolvidos na troca atribuem às quantidades preteridas são, por definição, de menor valor que as preferidas no momento da troca (mesmo que por mera expectativa momentânea). Esta preferência se manifesta em intervalos chamados de disposição a pagar e disposição a vender, sendo a primeira sujeita a um limite máximo e a segunda por um limite mínimo, visto que buscamos abrir mão do mínimo possível daquilo que atribuímos importância, por definição.

Mas a questão mais importante, nesta transição, de potência ao ato, de valor ordinal intensivo para valor cardinal extensivo é: o que determina a unidade de um bem? (Esta chave decadialética de Mário se refere ao movimento que, segundo Reale, Aristóteles descreve em Física III)

Ora, parece evidente, para alguns bens, que a unidade é composta pela totalidade de um produto, mas nem todos os produtos possuem quantidades claramente definidas, algumas são definidas por volumes, massa, dentre outras unidades de medida. Em Ação Humana, Mises denomina unidade como a menor quantidade que possa ser objeto de uma escolha.

Desta forma, a avaliação marginal ocorre, inicialmente, por uma estimativa da utilidade (satisfação que se espera obter com a consecução dos fins) de uma quantidade definida de bem (material ou imaterial, no caso de serviços) de acordo com a importância atribuída à magnitude do(s) efeito(s) gerado(s) por tal quantidade empregada em relação à urgência do objetivo (ou seja, a essência está não no bem econômico em si, mas na atribuição de importância relativa dos agentes manifestadas nas negociações mercadológicas, sendo o aspecto marginal, i.e, da escassez relativa, crucial para a manifestação das preferências entre proporções diferentes dos bens). Esta urgência decresce, em um determinado intervalo de tempo, conforme o emprego do bem (meio) progressivamente supre a necessidade (fim), de modo que a redução da escassez relativa (aumento da quantidade) o torne menos necessário e, portanto, menos valorado e mais propenso a ser preterido em escolhas posteriores.

É importante pontuar, contudo, que existem diferentes níveis de conhecimento teórico e empírico disperso entre os agentes acerca destes efeitos e, portanto, é normal que ocorram erros de estimativa e prejuízos em termos de satisfação. Por outro lado, conforme os agentes aprendem com os erros passados, tende-se a gerar, como uma ordem espontânea, consensos gerais e unidades de medida para facilitar as negociações em termos de avaliações na margem entre os bens econômicos (Mises não está em desacordo com Hayek neste aspecto, por mais que não o explore tanto quanto ele, tanto é que denomina o “valor” de uso objetivo como os efeitos objetivos que podem ou não coincidir com as avaliações subjetivas sobre o nexo causal que, conforme reforço, são conjecturais e refutáveis, mas também pontuo que a atribuição de importância difere em natureza do uso objetivo, e incide do fim para o meio, de acordo com a contribuição relativa do segundo para o primeiro. Não fica claro se Mises trata como identidade o valor de uso subjetivo com a utilidade marginal ou com a conjectura sobre as qualidades objetivas, se for o caso da primeira identidade ou de ambas, divirjo desta posição misesiana de que o valor de uso objetivo não necessariamente (mas possivelmente) possa se igualar ao valor de uso objetivo, mas nego qualquer possibilidade de que isto ocorra, pela diferença de natureza que acabo de mencionar).

O valor subjetivo, ainda que comparado em termos de importância relativa, ainda é heterogêneo, pois as finalidades também diferem entre si, por isso o valor é ordinal e não cardinal (e a concepção de capital, mesmo em termos de valor dos bens de capital e intermediários, mantém a heterogeneidade que os próprios bens de capital possuem entre si). A comparação relativa entre bens heterogêneos se dá por uma comparação ordinal de relevância que é diretamente afetada pela disponibilidade do bem (meio) que afeta inversamente a urgência dos fins e portanto, sua posição na escala de valor que será projetada para os meios no tocante a aplicação específica para tal fim (o que também reflete na estrutura de capital e no processo produtivo, de modo que o valor e o desconto intertemporal dos bens de capital derivem de suas aplicabilidades mais urgentes e valoradas pelos consumidores expressa nas negociações que cristalizam essa importância relativa média, face à disponibilidade, nos preços).

Não pode haver equivalência, mas valoração inversa. Isto se deve pois, em uma equivalência entre os bens, há indiferença, indiferença implica em inação pois, deste modo, não se espera que o estado de satisfação se altere pela troca. Quanto ao valor-trabalho em Marx, este compreende valor como valor de troca (quantitativo, que concebemos como preços relativos por se tratar do custo de uma mercadoria em termos de outra, obtida pela razão entre seus preços), cuja razão quantitativa é determinada, em essência, pelo tempo de trabalho socialmente necessário para gerar um valor de uso em cada mercadoria comparada. Isso quer dizer o tempo de trabalho médio em um dado estado de tecnologia entre as diversas qualificações, sob relação social de trabalho assalariado. O problema é que, se o salário é determinado pelo mínimo de subsistência da lei de ferro dos salários, as mercadorias que comportam este mínimo de subsistência, em última análise, são determinadas pelo mínimo de subsistência dos trabalhadores que as produzem, tornando a explicação circular. Além disso, há a impossibilidade de se determinar o critério objetivo e uma unidade mínima de qualificação para quantificar trabalho mais qualificado em termos de menos qualificado.

Por outro lado, esta teoria também se complica ao explicar o papel conjunto dos prejuízos como parte sistemática de ajuste no processo de mercado, de modo que, em sua concepção, existam 3 possibilidades:

· Na média do processo global, os lucros de certas firmas compensam as perdas das outras, mas isso não quer dizer nada, visto que o custo de oportunidade das despesas dos consumidores implica na redução de consumo na mesma proporção em outros mercados.

· O prejuízo pode ser uma desvantagem na implementação de uma tecnologia nova, que reduz o custo médio, o que é plausível apenas para produtos homogêneos e é um caso específico que não implica na generalidade da existência das perdas tal como os lucros.

· O prejuízo pode ocorrer como uma deficiência no consumo causada pela tese do empobrecimento progressivo, mas é problemática ao perceber que o salário real aumenta com o aumento da produtividade e também se refere a um caso especial.

Mas, se existe o prejuízo e este é comum, então o lucro é possível, mas não necessário, de modo que ele deve possuir uma causa necessária, mas o prejuízo também e, além disso, essas causas devem ser ambas sistemáticas e que, pelas razões acima, a teoria da exploração se mostra insuficiente para sua explicação causal.

O trabalho empregado não importa se não houver demanda, se os consumidores não estiverem dispostos a pagar, um produto não se mantém no mercado e, caso seja retirado por falta de demanda, não haverá como falar em preços de mercado para ele. Quando se diz que um bem vale tantas unidades monetárias ou de outro bem, isto apenas significa que o ofertante cobra e espera obter, inicialmente, esta determinada quantia de acordo com suas expectativas e experiência no mercado, se fosse o caso de equivalência, o ofertante seria indiferente entre produzir o bem ou realizar outra atividade.

Qualquer equivalência de quantidades relativas entre bens e uma soma monetária (ou de outros bens na troca direta) é, portanto, uma determinada média da avaliação oscilante dos bens em relação à moeda pelos vendedores e compradores, de acordo com as prioridades de consumo (e consequentemente de produção) que variam com a urgência dos objetivos dos agentes do mercado e a disponibilidade de bens com nexo causal mais eficaz para atingí-los. Esta disponibilidade de bens superiores está inversamente ligada a seu preço e à sua urgência no atendimento do fim ou dos diversos fins que pode atender.

Isto é tão verdadeiro quanto o meio só é meio em relação a um fim, e está sempre subordinado a este fim. Ora, se é assim, então o valor do meio na condição de meio só é possível com a existência do fim e, portanto, não se pode tratar o fim como secundário (ou dado) na determinação do valor. Portanto, buscar a essência do valor no meio, e não no fim, é buscar a essência do valor em sua aparência, naquilo em que ele é projetado, e não em sua origem, no telos.

Destas unidades de medida se formam os preços relativos, concebidos pela economia clássica e marxiana como valor de troca, i.e, as quantidades relativas dos bens em função de outros bens. Porém, na realidade, se trata do resultado de avaliações entre margens diferentes de dois bens de acordo com a prioridade dos fins aos quais estes bens servem e são referidos pela microeconomia como preços relativos, pois sua proporção pode ser obtida através da razão entre os preços monetários dos bens em questão. Portanto, é Marx, e não os microeconomistas, que confunde valor com preço, em sua própria definição petitio principii (apesar de que Marxistas como Gustavo Machado e Neoclassicos aparentam ter uma noção comum de que os agentes do mercado são tomadores de preço passivos, sem possibilidade de barganha entre as partes envolvidas na troca, que refletem ex post no preço de mercado). Portanto, ao se tratar de uma razão de preços, isto é, de um preço em relação ao outro, ainda estamos no plano da aparência, e não da essência, e estamos nos referindo a algo ainda posterior ao valor, assim como trabalho não pode ser essência na condição de subordinação ao telos.

Esta formação de preços relativos ocorre mesmo que na ausência de um meio geral de troca, pois as negociações e a arbitragem dos empreendedores levam a uma tendência móvel de equilíbrios parciais. Mas isso basicamente quer dizer que, ao negociar, os agentes tendem a um valor médio entre seus intervalos de disposição a vender e a comprar.

Além de que esta valoração relativa (TmgS — Taxa Marginal de Substituição) tende a um “valor” de troca (TmgT — Taxa Marginal de Transformação ou preço relativo) entre os mais diversos bens, sendo a moeda só outra ordem espontânea que emerge da necessidade de calcular o preço relativo de todos os bens na mesma base devido às limitações do conhecimento humano face à complexidade de bens produzidos conforme a economia cresce (Marx considera o consequente deste processo de formação de preços acima, mas não o antecedente, i.e, as avaliações marginais relativas e subjetivas.

Portanto, com a comodidade característica dos clássicos, atribui a convergência entre interesses e expectativas meramente à concorrência, tal insuficiência de fundamentação teórica é parte da tradição econômica na qual se insere e da solução que aceita, e não devido à incompletude de sua obra). Além disso, não se pode utilizar a moeda como base comum para esta comparação de diferentes complexidades e finalidades de trabalho pois, de acordo com os clássicos e Marx, este valor de troca é anterior aos preços (afinal, o valor é a essência do preço tanto para eles quanto para os Austríacos, diferindo nas definições, mas não na lógica aristotélica desta relação), o que contradiria a formação dos valores de troca antes do advento da moeda, e incorreria em insuperável circularidade.

Visto que a receita é o produto de preço e quantidade demandada (cujo decréscimo marginal médio dos demandantes se expressa na elasticidade da demanda) e, portanto, a avaliação relativa entre a moeda e o bem/mercadoria, expressa no preço, se projeta na quantidade demandada total, a utilidade marginal explica mais precisamente a essência do preço.

É claro que os custos são avaliados em relação aos benefícios, de modo que os agentes apenas tomarão a decisão conforme os segundos superem os primeiros em importância e satisfação esperada, mas vale notar que os custos, mesmo em termos de trabalho, são relativos a uma oportunidade preterida (no caso do trabalho, usa-se o termo lazer para qualquer outra atividade preterida ao trabalho). Por conta disso, evidencia-se que todo ato concreto é sujeito a uma antinomia entre custos e benefícios.

Como supracitado, é necessário definir a unidade de um bem (cujo estoque deve ser percebido como homogêneo pelo agente na consecução do fim ou dos fins em questão) para que se possa fazer avaliações de incrementos ou decréscimos unitários, tendo em vista que a escassez relativa tem relação direta com a importância e urgência do fim, pois quanto menor a disponibilidade dos meios, menos satisfeito é o fim em questão.

Outra coisa que se deve pontuar é que, se tentarmos calcular em termos de trabalhos, que são heterogêneos, não importa meramente a qualificação do trabalho se os fins de trabalhos categoricamente diferentes sequer estão na mesma base comparativa (e o filtro lógico para extrair o trabalho abstrato também poderia ser utilizado para uma utilidade abstrata na qual o atendimento de uma necessidade humana, no sentido genérico, fosse a característica geral), além de ser necessário definir qual a qualificação mínima a ser usada de base universal para resolução de tal problema (quando tratamos em termos de tempo de trabalho no qual o trabalho mais qualificado é expresso em termos de trabalho menos qualificado, a teoria da utilidade marginal é capaz de explicar o que teóricos valor trabalho meramente desistem e delegam à determinação do mercado sem fundamentá-la, o que é especialmente relevante para quem visa eliminar a existência do meio geral de troca).

Ora, através das comparações marginais entre bens entre si e entre a moeda, os agentes negociam e coordenam suas expectativas conforme os intervalos de disposição a ofertar e comprar da contraparte e, através da ação comparativa entre margens de bens em relação à urgência dos fins que, como analisamos, tem proporção inversa com a disponibilidade destes bens que os atendem, fundamenta-se, axiologicamente, as leis da oferta e da demanda, e não apenas delega-se ao mercado a surpreendente capacidade de comparar grandezas heterogêneas.

A matéria pode constituir a matéria prima do intelecto através da experiência, mas não o informa, pois este deve realizar uma análise através de instrumentos inatos ao próprio intelecto (pois nada existe em nosso intelecto que não tenha passado antes por nossa experiência, com exceção do intelecto em si). Por isso, não se pode confundir a relação modal de necessidade com determinação (que possui implicações causais) e, mesmo que se admita explicitamente a falibilidade do conhecimento, esta não se refere apenas à mutabilidade do objeto de estudo (que nem sempre é universal, vide a mecânica clássica e quântica tratarem de fenômenos que se mantiveram regulares em escala macro mas diferem em escala micro), mas também à evolução do próprio conhecimento imperfeito (cuja independência da natureza em relação a estas conjecturas de forma alguma exima o erro dessa concepção que elimina a subjetividade de sua antinomia com a objetividade, pois isto meramente implica na inadequação maior ou menor da conjectura subjetiva face a realidade, e não da determinação da primeira pela segunda), é inconsistente qualquer consideração da falibilidade gnosiológica que não considere conjecturas subjetivas, pois isto implica em uma univocidade interpretativa (ou seja, para ser consistente, precisa supor uma objetividade interpretativa e gnosiológica análoga ao homo economicus neoclássico) e, portanto, seria uma consideração inconsistente com o raciocínio derivado da concepção materialista da metafísica geral (ontologia).

Por outro lado, o intelecto informa a matéria à medida em que esta se adequa, no processo produtivo, a necessidades humanas (algo considerado por Marx) e, portanto, a conjecturas acerca das futuras demandas dos consumidores de acordo com observações acerca de problemas a resolver e necessidades não supridas, e não visando a manutenção da estrutura institucional que é anterior a esta atividade, não pode ser sustentáculo desta estrutura, pois depende dela.

Além disso, como pode o homem alterar a condição material (conforme descrito por Marx) se este é rigidamente determinado pela relação econômica e social? Como a filosofia surge com mero fim contemplativo, com aplicações práticas meramente acidentais, como Platão e Aristóteles descreveram, se a linguagem e o raciocínio servem unicamente a relações econômicas e são por elas determinadas? (me parece ser mais uma confusão entre necessidade e causação, que aparenta ser quase metodológica para o raciocínio de Marx.

Além disso, o calcanhar de Aquiles da teoria antiga, da comparação entre trabalhos complexos e simples de diferentes espécies, não foram satisfatoriamente resolvidos por Ricardo e Marx, um relegando ao mercado a capacidade desta comparação sem fundamentar esta capacidade, e outro incorrendo no problema apontado acima, da base comparativa divergente por diferenças qualitativas (diferindo em telos e em processo), e da imprecisão do estabelecimento da relação quantitativa entre estes diferentes níveis de complexidade.

Além disso, vale notar que, se o salário é determinado, em Ricardo e Marx, pelo mínimo de subsistência, historicamente determinado pelo estágio de desenvolvimento da sociedade em questão, vale analisar as implicações disto em relação à determinação do valor. Ora, o valor quantitativo é determinado, de acordo com esta teoria, pela quantidade de horas de trabalho abstrato na média para produzir a mercadoria, cujo valor é determinado pelo mínimo de subsistência, isto é, do valor das mercadorias necessárias para manutenção da vida do funcionário as quais este salário-hora poderá comprar, isto significa que o quantum do valor da hora de trabalho é determinado pelos quantuns do valor da hora de trabalho impregnados nas mercadorias que compõem a cesta do mínimo de subsistência que, em última análise, são determinados da mesma forma.

A ação propositada difere o homem das outras espécies, pois esta é a expressão da racionalidade e da consciência, assim como a linguagem é necessária para articulação desta, mas não para sua existência, que é necessária para a compreensão da linguagem ao atribuir conceitos a símbolos e relacioná-los (algo há muito tempo pontuado por Santo Agostinho, de que a inteligência antecede o raciocínio, mas Marx provavelmente desconhecia o autor, tendo em vista que baseia suas críticas à religião não na tradição teológico-filosófica da Patrística e da Escolástica, mas da crítica antropológica à religião de Feuerbach). Caso contrário, seria possível ensinar linguagem humana e formar intelecto em animais não intelectivos, o que denota mais uma confusão entre relação modal de necessidade com causação por parte de Marx.

Além disso, se o intelecto já não fosse uma capacidade inata, não seria possível sequer articular a lógica formal e informal e as relações da gramática geral se estas fossem a causa do raciocínio, e não a organização de uma faculdade inata, elas teriam de ser, de alguma forma, dadas e não construídas. No mais, o intelecto não é, em ato, nenhuma realidade existente antes do efetivo pensar, não é razoável que se misture ao corpo, pois iria adquirir certo qualidade, como dá local às formas ideais, e não é instrumento de uma espécie, possui existência por si próprio, de acordo com Aristóteles em De Anima), ação anterior e presente na produção de meios de subsistência e relações sociais.

A escolha deliberada sob premeditação entre meios e fins, com a suposição de relações causais, é única à espécie humana, e é mais geral do que a mera restrição ao contexto específico, embora mais comum, das relações sociais e as interações que as formam.

Deste modo, a transformação da natureza se dá por análises de experiências prévias e de deliberações sobre as relações causais inferidas nestas análises (quer sejam corretamente compreendidas ou não), de modo que esta transformação seja orientada pelo intelecto com base no aperfeiçoamento das hipóteses à realidade subjacente.
Vale observar que esta contribuição não se origina em Mises, mas na estrutura da ação humana de Aristóteles, Mises baseia a análise da ação humana na teleologia aristotélica da mesma forma que Menger baseia a categorização de bens econômicos nas 4 causas do mesmo (assim como outros aspectos de sua teoria).

Outro aspecto de relevância é que os custos, expressos em moeda, não podem explicar os preços, visto que os custos monetários são, em si, preços (dos fatores de produção), o que implicaria em uma circularidade. Em última análise, os preços dos fatores de produção (os custos monetários de produção) são determinados pela demanda das firmas face à oferta disponível e, portanto, dependem da expectativa de receita futura face às diversas aplicações dos fatores de produção (quanto ao processo de formação dos preços dos fatores (e dos bens em geral vis a vis as expectativas utilizarem preços presentes), ver Theory of Money and Credit — Parte 2 (Teorema da regressão de Mises)). Deste modo, o mercado de bens de consumo projeta a demanda presente como parâmetro da expectativa de demanda futura das firmas, levando à determinação de um nível de produção e, portanto, de uma determinada demanda por fatores de produção, de modo que a demanda deste mercado do consumo final se extenda até os fatores originários de produção.

O último absurdo que é dito sobre a teoria marginalista é que esta desconsidera que o preço relativo (ou na concepção de Marx, o valor de troca) restringe a decisão do indivíduo e, além disso, confunde-se que esta restrição determine seu comportamento, negando à ação do indivíduo a eficácia causal na determinação dos preços. Ora, se o agente não possui restrição orçamentária, este não compara quantidades de moeda (ou do bem preterido na troca direta) em relação aos bens adquiridos, o que não é o caso do que fora exposto até então. Além disso, se não houver disposição do consumidor a comprar um produto, não há como manter o mesmo preço para liquidar os estoques e, se a propaganda determinasse rigidamente o consumo, esta se converteria integralmente em venda, o que é estatisticamente falso (mas esta é uma discussão que pode ser refutada com mais profundidade analisando o debate de Hayek e Galbraith e a análise de Kirzner, mas que não convém aos fins destas anotações).

Por outro lado, a oferta, em contraparte, se orienta desde os fatores originários até o mercado de bens de consumo, por parte dos produtores, sobre a expectativa de ganhos nas mais diversas aplicações de seus recursos face às alocações alternativas, como pode ser ilustrado pelos vetores de oferta agregada e demanda agregada dos triângulos de Hayek (representando a estrutura de capital). Vale notar que, ao contrário desta imputação de valor nos fatores de produção pelos bens finais os quais eles podem produzir, a explicação dos preços pelos custos (em especial o tempo de trabalho) é incapaz de explicar a existência de prejuízos como parte do processo (apenas se admite prejuízos em momentos de crise ou de uma inconsistente redistribuição de lucros entre os auto interessados burgueses). Ora, as conjecturas acerca das demandas futuras sob condições de incerteza genuína, na qual o sucesso (não refutação da hipótese conjectural futura acerca do conhecimento e avaliação dos consumidores) implica em lucro e o erro (refutação da hipótese) em prejuízo são, deste modo, uma explicação mais adequada à realidade do fenômeno econômico.

Coordenação intertemporal dos vetores de oferta e demanda, cada etapa representa uma diferente tendência ao equilíbrio.

Ou seja, mesmo que os empreendedores e firmas considerem os custos monetários, em avaliação relativa com a receita esperada, estão meramente comparando relações de escassez relativa dos recursos face às aplicações mais urgentes ou menos urgentes dos consumidores. Portanto, refere-se sempre à expressão da importância relativa dos fatores e dos bens finais entre a moeda e, em última análise, entre si.

As mercadorias não assumem uma consciência através da mística retificação dos indivíduos em suas funções catalaticas e comparam entre si quantidades de trabalho médio, mas os indivíduos envolvidos na troca comparam os custos e benefícios da troca, através de suas escalas de valores relativos, de acordo com suas prioridades dos fins, as quais são projetadas aos nexos causais dos bens, são manifestadas nas negociações, que formam os preços relativos e, posteriormente, com o advento do meio geral de troca, os preços monetários. Toda produção visa o consumo, portanto, é um meio para um fim, não há valor do meio que não derive do fim, por mais necessário que esse meio seja, só o é na medida da urgência do fim. E, como vimos, ao contrário do valor de uso clássico, compara-se quantidades relativas e não dos bens em abstrato exatamente pela relação inversa entre disponibilidade e urgência do fim, no período de tempo considerado (visto que algumas necessidades voltam a tornar-se latentes em períodos posteriores).

OBS: Se a escassez representa um vínculo antinômico com a importância subjetiva do fim e a limitação do meio para sua consecução, então a utilidade marginal, na condição de vínculo objetivo-subjetivo entre a disponibilidade objetiva do bem com a urgência subjetiva do fim, representa um valor econômico não puramente subjetivo, tampouco puramente objetivo, mas um valor concreto com tensões entre esses dois orbes antinômicos. Por outro lado, o trabalho só tem valor à medida em que serve ao fim, de modo que a consideração pela objetividade da escassez rejeita o trabalho como causa, além disso, existem antinomias entre o conhecimento conjectural do agente sobre o nexo causal do bem e o nexo causal objetivo propriamente dito, de modo que a maior ou menor adequação da expectativa com a realidade altere a avaliação do agente em relação ao estoque do bem.

Finalizo esta exposição observando que a teoria visa explicar a história, e a história dá substância à abstração da teoria, de modo que o conhecimento do fato concreto só será adaptado da melhor forma possível ao intelecto através da consideração destas antinomias, sem abstrair uma dessas esferas, incorrendo em digressões crescentes do concreto.

Referências

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